O Auto conhecimento é a chave para a conquista do sucesso.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

A Curandeira

Ela é velha, muito velha. As mães do lugarejo, levam seus filhos até seu casebre, para serem benzidos por ela. Para quebranto? Os galinhos de arruda formam cruzes no ar,ao redor da criança, enquanto ela murmura uma reza inaudível. Para vermes? Um paninho branco sobre a cabeça da criança, segurado em uma mão um copo com água e, com a outra mão, ela vira chumbinho derretido que, ao cair na água forma uma plantinha torta. Sempre murmurando, suas rezas. Para dor de garganta, febre, vômitos, ela dá ervas, para serem feitos chás e, manda visitar o médico do posto. Ninguém sabe sua idade. Ela vive das doações de quem busca suas benzeduras. Sem luxo, como ela mesma diz. Não! Existe um único luxo que ela se dá, o pequeno rádio de pilhas, sempre ligado nas músicas sertanejas. Assim é Dona Genoveva! Desde menina, ela benze, aprendera com sua mãe, que aprendera com sua avó. Solitária, e muito amorosa, sorri muito, quando as crianças, após terem sido benzidas, adquirem o rosado nas bochechas de novo! Estamos em um dia qualquer, um dia comum, para ela. Quando um carro preto, grande, brilhoso, estaciona defronte sua casinha, deixando uma nuvem de poeira no ar. Ela está na horta, com um regador tão velho quanto ela, molhando suas ervas, feliz com o aroma que elas exalam, ao serem tocadas pela água. Com o ruído da travada do carro, levanta a cabeça e espia, por entre as árvores de maçã e goiaba, carregadas de frutas, plantadas por ela mesma "a séculos atrás". Desce do carro, uma senhora bem vestida,tão perfumada que chega até Dona Genoveva, o adocicado cheiro de alfazema. A senhora enxerga a curandeira e abana, com gesto imperioso, a chamando. Sem pressa, a velha mulher coloca o regador no chão, seca as mãos no avental e, vai atender a visitante. -Em que, posso lhe ajudar?(pergunta Genoveva). -Estou com meu filho doente, os médicos não tem mais o que fazer e, soube de suas benzeduras, por minha empregada. Pode me ajudar?(respondeu a senhora perfumada) -Sim, onde ele está? -Eu o trouxe comigo. A mulher acena para o motorista que abre a porta do carro e traz nos braços o corpo esquálido de um jovem guri. -Pode trazer ele aqui para dentro. Enquanto fala, Dona Genoveva entra em sua casa, onde manda colocar o jovem deitado no sofá velho, cor verde desbotada, e com cheiro de macela. Ele olha para a velha mulher, com um olhar apático. Ela sente nele uma tristeza imensa. Pega na prateleira um punhado de losna, um punhado de poejo e com um barbante, amarra as duas ervas, já em seu murmúrio de rezas. Senta, de frente para o doente, e com o olhar de uma águia, busca entender tanta dor e logo percebe o desencanto, a solidão profunda, um pássaro preso, nele. Termina as rezas se vira para a mãe do jovem e pede que ela sente ao seu lado. Então,do fogão a lenha, sempre aceso, retira umas brasas, que são colocadas em um pote de barro, e coloca sobre as brasas, as ervas que benzera o doente. Enquanto murmura uma cantinela, que mais parece um lamento, observa com o canto do olho, a energia envolvendo o rapazito. Nisso a mãe rompe em prantos...chora muito, até que a reza termine. Fica um silêncio profundo dentro do casebre.Até a gata Crisálida,observa interessada, o que acontece ao redor. Dona Genoveva vai lá fora, quebra com força o pote de barro, na Pedra Grande e, volta para dentro. O jovem está sentado, com olhar curioso, demonstrando interesse. A mãe, sem a pintura que saíra com as lágrimas, parece uma criança indefesa. Que, com a chegada da velha curandeira, apruma o corpo tentando se recompor. -Quanto lhe devo? Pergunta a Senhora. -Quanto a senhora paga por uma consulta ao seu médico. Responde Dona Genoveva. Sem titubear, a Senhora abre sua bolsa,pega algumas notas e dá para a velha, que as coloca no bolso do avental. A senhora chama o motorista, que entra para pegar o jovem no colo, mas este levanta e apoiado no braço do motorista, andando com pernas tremulas, em direção ao carro. Antes de entrar, ele olha para a curandeira e acena, aliviado, para ela. A Senhora já no portão, estende as mãos perfumadas e aperta as mãos de Dona Genoveva. Elas não falam, não dizem nada uma para a outra.E assim, vai embora. A curandeira fecha o portão e vai até a Pedra Grande, nos fundos de seu terreno. Senta no chão, e observa as cinzas derramadas, entre os cacos do pote de barro. Sorri para si mesma...enfia as mãos no bolso do avental,pega as notas de dinheiro e agradece aos céus. Não passará apêrto no inverno que se aproxima. Pega então o regador e volta para sua rotina. Lá no chão, aos pés da Pedra Grande, fica nas cinzas, o desenho de dois corações partidos, que vão sendo desmanchados, conforme a brisa do entardecer chega!

2 comentários:

  1. Dois anos após a visita de mãe e filho, na Curandeira, soube-se que a mãe cometera suicídio. Motivo? Ela abusava sexualmente seu filho.
    NT de rodapé.

    ResponderExcluir
  2. Dois anos após a visita de mãe e filho, na Curandeira, soube-se que a mãe cometera suicídio. Motivo? Ela abusava sexualmente seu filho.
    NT de rodapé.

    ResponderExcluir