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terça-feira, 17 de abril de 2012

Eunice

Eunice está em casa. É sábado, dia de faxina! Ela até que gosta de faxinar seu mundo particular, como chama seu lar. Coloca fones de ouvido, estação 102.3 FM, ritmos variados que seus corpo acompanha dançando com movimentos sensuais. Cartomante desde menina, segue a tradição de sua avó materna, que a criou. Mãe? Não conhece nem por fotos,pai menos ainda. Eunice foi abandonada recém nascida, a vovó Cotinha foi sua mãe, seu pai, tudo que ela precisou para crescer saudável e feliz! Seguindo a tradição, quando sua avó morrera, ela já tinha vinte e quatro anos, herdou o Cantinho de Luz, onde as pessoas vêm consultar (ela é cartomante que nem a avó), por motivos diversos. Ontem, esta bela mulher, de pele clara, olhos castanhos esverdeados,seios admirados por homens e mulheres, completara trinta e cinco anos! Enquanto limpa a casa, amigas(os) vieram comemorar junto e a casa está uma bagunça, lembra que tentara quando mais jovem, ter um amor, tudo deu errado. Sua avó dizia que a geração de sua neta, é muito mal servida de homem,que ela não encontraria tão cedo alguém para ser feliz no amor, mas que com a idade que ela tem hoje,ela viveria uma grande surpresa.
De fato, assim foi até hoje. Ela se permitira até viver amorosamente com outras mulheres, em dois momentos muito difíceis de sua vida, onde se sentira profundamente solitária. Fôra interessante, mas isso serviu para confirmar sua predileção por um falo!
O rádio interrompe a música, para dar notícia de última hora...a morte de um radialista famoso, ocorrida em um acidente de carro.Deu também informações da Capela de São Benedito onde o corpo está sendo velado.
-Te veste! Com discrição e elegância! Vai agora para este velório!
Esta voz, que Eunice escuta neste instante, a acompanha desde menina. Sua avó a ensinara como desenvolver o que ela chamava de dom, igualzinho à ela, que também ouvia vozes. Mas, largar uma faxina e ir à um velório? Sábado? Um desconhecido? Nem pensar!
-Te veste, com discrição e elegância! Vai agora para o velório!
Larga irritada o pano que estava usando para passar lustra móveis na estante de livros. todos lidos com paixão! Eunice sabe que se não for, ouvirá a voz até ir, então...
-Tudo bem! Eu vou mas volto em seguida!
Veste uma calça jeans, uma camiza preta com detalhes em fitas pretas,lindíssima! Sapatos de bico fino e bolsa,pretos. Uma jaqueta curta igual à calça completa o traje. Olha o reflexo do espelho, está discreta, bem vestida, pronto! Já no elevador, passa um batom discreto nos lábios, pega da bolsa a chave do carro. dando uma última olhada no espelho, ótima! Satisfeita ainda fecha o terceiro botão da camiza, escondendo um pouco seus belos seios.
O estacionamento do cemitério está lotado! As ruas adjacentes estão disputadas por uma vaga. Despreocupada, ela entra no estacionamento. Um carro está manobrando para sair. Sempre é assim, antes de sair de casa, ela "ordena" seus passos e o Universo comunga com ela.Isso é rotina, em sua vida!Estaciona o carro,leve, feliz!
Ao se encaminhar para a capela, tenta lembrar ...quem é mesmo o falecido? Radialista? Nem lembra o nome. Sempre com o rádio ligado, se o nome dele fosse de programa musical, ela teria reconhecido. Sacode os ombros, vai em frente, preparada para o aprendizado. O que será desta vez? A "voz" sabe que ela detesta cemitério, velório então, nem se fala. Cremação ,como foi com vó Cotinha e ponto final!
Ao entrar na Capela onde o corpo está sendo velado, observa que algumas pessoas olham para ela parecendo surpresas. Ouve novamente a voz...
-Vai até o caixão e faz uma oração, não toca no defunto!
Obediente, ela se aproxima curiosa, do caixão. As pessoas se afastam dando lugar para ela chegar, os que parecem familiares (por estarem em comoção) olham para ela, curiosos e perplexos! Sem dar atenção, (ela já está acostumada com isso)concentra seu olhar no falecido. Vestido com um terno riscado cinza, caro, que dá para notar só no olhar com atenção. A camisa e a gravata em tons diferentes de azul. A palidez do rosto, não esconde a firmeza nas feições marcadas pelo tempo.
Ela sente uma espécie de ternura, um aperto que provoca lágrimas? Fala para si mesma...mas que bobagem! Estou "trabalhando", estou aqui a trabalho, não tenho nada a ver com isso!
Repete mentalmente para si mesma, diversas vezes, tentando controlar a estranha emoção que toma conta de seu corpo. Com muito custo, consegue! Respira fundo, discreta. Se afasta do caixão indo lá para fora. Acende um cigarro aspirando profundamente a fumaça, que explode no pulmão fazendo com que tussa. Irritada apaga o cigarro, quando ouve a voz...
-Podes ir embora!
Ela se dirige para o estacionamento, quando percebe estar sendo seguida por duas pessoas, um homem e uma mulher. Eles aceleram o passo e a alcançam.
-Com licença, podemos conversar?
A voz educada do homem a desarma de qualquer reação.
-Em que posso ajudá-los?
A voz de Eunice sai cansada. Enquanto fala, abre a bolsa tirando a chave do carro, louca para estar em casa e entender o porque da voz a ter trazido aqui.Ao levantar os olhos, sua atenção é chamada para a mulher que ficara um pouco atrás dele. Familiar! Em segundos,percebe que aquela mulher é ela Eunice, com uns vinte anos a mais. Sente tontura novamente, disfarça, respira fundo retoma o equilíbrio, olhando firme para os dois, esperando.
-Voce conhece nosso irmão?
Os dois falam ao mesmo tempo, parecendo o jogral do colégio onde ela,quando menina estudara.
-Pessoalmente não, mas o ouvia no rádio.
Sua resposta é simples.
-Então voces nunca se encontraram antes, ele nunca a viu pessoalmente?
A voz ansiosa da mulher a faz querer sair dali voando.
-Voces me desculpem, tenho compromisso neste instante, já estou atrazada!
Ela abre a porta do carro, encerrando a conversa.
-Voce pode nos dar o número de seu telefone? Para a procurarmos outro dia?
Irritada pela insistência ela responde, já entrando no carro...
-Não vejo porque, sou uma fã que veio se despedir de seu ídolo, pode ser assim?
Fecha a porta do carro, ligando o motor, manobrando a ré para sair. Vê pelo espelho retrovisor o homem anotando a placa de seu carro.
Dirige até a beira do rio, precisa se acalmar. Não quer entrar em sua casa deste jeito, carregada de emoções esquisitas e sem a explicação que sempre acompanhara sua entrega ao seguir a voz. Estaciona o carro, defronte a imagem da Mãe Oxum, construida juntinho do rio. Respira fundo, uma, duas, dez veze, até se acalmar e sua respiração ficar suave. Olha ao redor, sente a paz e a natureza sossegada. Assim é melhor, pensa consigo mesma.
Já calma, olha o carro, já indo em direção à ele, quando ouve novamente a voz...
-Aquele homem é teu pai! E uma nova história começa hoje, para ti!

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